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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015
sábado, 7 de fevereiro de 2015
AURÉLIA
De
todas as coisas que eu me lembro daquela época, a primeira delas é o suco de
gelatina Royal. A segunda é o cheiro da
merda do meu pai. Então se me pedissem
para contar uma história de infância (e eu não mentisse) seria mais ou menos
assim:
Naquele
tempo o apartamento era muito pequeno e do meu quarto se ouvia tudo. E se me
perguntassem que “tudo” é esse, eu diria que é tudo que as pessoas não querem
que seja escutado dentro de um banheiro. Mas eu era jovem o bastante para não
entender o conceito de privacidade e curioso o suficiente para acordar todos os
dias as seis quarenta e cinco manhã. É a hora que meu pai caga. Cagava. Se
existir algo depois da vida, meu pai provavelmente continua acordando as seis e
quarenta e cinco para cagar no além. Mas então: a vida de certas pessoas já
começa de maneira mentirosa. E acho que provavelmente eu sou uma dessas
pessoas, porque se perguntassem para a minha mãe que horário eu costumava
acordar quando eu era criança, ela responderia “sete da manhã” com aquela voz que
as pessoas fazem quando estão certas em algo. Ou acham que estão. A verdade é
que eu passei todos esses anos com dois toques de acordar: o oficial berro da
minha mãe e o clandestino primeiro peido da manhã. Meu pai era daquele tipo de
pessoa que antes de cagar soltava um peido enorme e barulhento. Talvez outra
pessoa na mesma idade e situação ficasse irritada. Talvez algum filho em um
universo paralelo igual ao nosso sentisse nojo. Mas eu não. Aquele peido era o
trompete de guerra de uma batalha que eu queria escutar. Era o anuncio antes do
bombardeamento. E nesse momento eu já estaria com a orelha colada na parede que
fazia a divisória com o banheiro me preparando para ouvir o barulho da agua
sendo perfurada pela merda. Ploft. Ploft. Ploft. Três montes de merda. Três
mísseis de guerra e depois uma tossida que selava a paz do vaso sanitário.
Naquela época, é claro, eu não poderia adivinhar que conheceria Aurélia.
II
Na
primeira vez que vi Aurélia fiquei louco com a quantidade de comida que ela
conseguiu colocar para dentro. Era festa de fim de ano da escola e pensei que
ela fosse uma das secretárias, porque uma professora nunca comeria igual uma
porca na frente dos pais e mestres. Depois fiquei sabendo que ela trabalhava na
sala de informática e me dei conta de que nunca tinha levado meus alunos para
lá. Sempre achei a sala de informática estúpida e suja e continuei achando, mas
comecei a levar a turma das quartas sempre que podia. Quando eu chegava ela
sempre estava comendo um daqueles pacotes de Negresco e tentando disfarçar os
farelos que caíam encima do teclado. Eu geralmente botava os alunos para fazer
aquele exercício de escreva-o-final-da-história e ia falar alguma coisa com ela
do tipo “muito movimento na sala hoje?”. Ela respondia com um “uhum” e eu ficava
imaginando que ela deveria se achar muito recatada por me dar pouco papo e
manter os botões daquela camisa fechados até a gola.
Levou
umas oito aulas até sair comigo. Primeiro pensei em levar Aurélia em um
restaurante francês metido a besta que fica perto da minha rua. Depois eu
lembrei do tamanho das comidas e chamei ela pro
Petro Bembo. O Bembo é caro o suficiente para uma mulher se sentir
refinada e barato o bastante para se pagar pratos grandes. Ela estava com um
daqueles vestidos comportados que vão até depois do joelho e a estampa
combinava com a toalha de mesa. A toalha de mesa do Bembo é uma das coisas que
me faz comer lá mesmo sozinho. Mas voltando a Aurélia: pedimos dois pratos de
massa e uma salada com nome pretencioso. O problema em pedir os pratos é que
logo depois começa a parte ridícula de fingir interesse no que a outra pessoa
está falando e esse problema duplica caso vocês trabalhem no mesmo lugar. Foi assim que eu ouvi durante vinte minutos
sobre o abaixo assinado feito para que cor de giz azul volte a ser incluída no
orçamento do material escolar do próximo ano. Pelo visto eu fui o único
professor que não notou a imensa injustiça que estamos sofrendo. Quando Aurélia
começou a falar da importância pedagógica da cor azul comecei a calcular o
número de quadrados verdes da cortina. O meu maior problema quando eu fico
entediado é que eu nunca fico só entediado. Geralmente eu sinto uma puta raiva
junto e uma vontade de fazer com que a pessoa se sinta mal por estar gastando o
meu tempo. Enquanto eu contava todos os quadrados concordei com a cabeça todas
as vezes em que eu ouvi falar em Paulo Freire e quando eu cheguei no quadrado
75 o garçom chegou com as massas. Foi então que eu lembrei porque tinha me
interessado por aquela mulher.
III
Aurélia
é uma daquelas pessoas que enfia enormes garfadas na boca como se estivesse
comendo a única refeição do dia. Esses modos de pobre devem ter afastado mais
de um homem, mas a verdade é que a cada garfada eu ficava mais louco. Se
naquele momento todas as toalhas de mesa do Bembo fossem levantadas, o
restaurante inteiro veria meu pau apontado para Aurélia. Esfomeada, ciscando os
últimos fios do prato. Ignorante da acusação da minha piroca que pulsava a cada
garfada. Quase inocente no vestido de crente que destoava com os modos de porca
na mesa. Se só por um instante, por algum truque barato Aurélia ganhasse visão
de raio x, veria que meu pau estava soltando as primeiras gotinhas em homenagem
ao seu estômago inchado. Caso Aurélia pudesse ser comandada por pensamentos
levantaria da mesa agora mesmo, baixaria a calcinha com seu pudor de evangélica
e me esconderia embaixo do seu vestido. Seguro de olhos alheios, eu começaria a
lamber seu cuzinho como pedido para que ela relaxasse, fechasse os olhinhos e
soltasse o primeiro peidinho na minha boca. Aurélia me teria ajoelhado,
suplicante por cada bolacha, cada fio de massa e cada colherada de pudim
alojada no seu intestino. Quase consigo sentir o gosto da merda de Aurélia:
quente, densa e adocicada. Se Aurélia prometesse comer assim pelo resto da vida
eu transformaria a tampinha dessa coca cola light em aliança e a pediria em
casamento.
E
acordaria todos os dias, pelo resto da minha vida, para ouvir Aurélia cagar.
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